sexta-feira, 8 de outubro de 2010

ATENA NA IDADE MODERNA

A frutificação do humanismo medieval deu-se no Renascimento, quando a igreja perdeu parte de seu poder e a sociedade se abriu para uma maior laicização, ao mesmo tempo em que o interesse pela cultura da antiguidade clássica atingia um ponto próximo da obsessão, com uma intensa recuperação de textos e relíquias artísticas da antiguidade, a volta ao estudo do grego e a disseminação de referências mitológicas por todas as áreas da cultura, arte e ciência. O amálgama entre Cristianismo e Neoplatonismo se tornou íntimo e complexo, particularmente na Itália, e deu origem a uma rica proliferação de representações na arte e obras interpretativas em filosofia que incorporavam livremente também tradições esotéricas como a astrologia, a magia e a cabala, todas buscando uma explicação mais racional para os fenômenos da natureza, a vida humana e os dogmas da religião.


Um bom exemplo do estado de coisas foi a decoração da Capela dos Planetas no Templo Malatesta em Rimini, uma igreja católica, onde aparecem em tranquilo convívio santos cristãos, símbolos astrológicos e divindades grecorromanas, incluindo Atena. A educação nos clássicos e na mitologia pagã deixava de ser ameaça à vida do homem cristão renascentista, ao contrário, agora era uma fonte de prestígio e passava a fazer parte da linguagem intelectual e artística corrente. Ataques contra essa tendência massiva de fato apareceram, mas foram exceções, uma vez que até mesmo os altos prelados católicos buscavam e encorajavam o mesmo tipo de educação.
Neste contexto, não foi surpresa a presença de alegorias mitológicas nas inscrições, panóplias e arcos triunfais levantados para as comemorações da coroação do papa Leão X em 1513, onde figuravam conspicuamente Atena e Apolo ao lado de outras representações que o mostravam como o novo Leão de Judá, um dos títulos do Messias.


Marcantonio Raimondi: O julgamento de Páris, gravura, c. 1517. Museu Britânico.
Maria de Medici por Paul Rubens, 1622.Ao mesmo tempo os antigos mitos recebiam leituras inovadoras, atribuindo-lhes novos significados.
 Neste momento Atena, ao lado de Ártemis, assumiu um papel destacado como fonte de sabedoria e deusa da Razão, influenciando fortemente também a ideologia do amor, aqui dialogando com Afrodite e buscando um termo médio entre os excessos idealistas e castos do amor cortês e as demandas da vida conjugal, onde a sexualidade não pode ser ignorada.
Num período em que o corpo humano voltava a ser admirado por sua beleza, sendo o homem considerado o centro da Criação e imagem da Divindade, coube a Marcantonio Raimondi introduzir em c. 1517 uma grande novidade em sua iconografia, mostrando pela primeira vez a deusa nua e abrindo caminho para uma renovação de larga descendência em suas representações, em geral aproveitando-se como tema o concurso de beleza julgado por Páris, mas também outros episódios de seu mito.

Em outras áreas, atribuiu-se-lhe o patronato da filosofia e também se estabeleceu sua ligação com a paz, a harmonia social, a liderança política e o bom governo, sendo retratada ao lado de dinastas e condottieri, ou estes lhe tomavam atributos, o que lhes emprestava prestígio e legitimava o seu status social e poder como líderes iluminados, pacificadores e promotores da civilização e das virtudes. O simbolismo de Atena foi entremesclado também com os da deusa romana Pax (Paz) e da virtude cardeal Prudência, além disso incorporando em suas imagens às vezes o elmo ou a armadura a seus pés, em chamas, significando a extinção da guerra. Entretanto, isso não lhe retirava mérito militar, continuando a representar aquela que dava bons conselhos na guerra, conduzia à vitória, inspirava aos atos de heroísmo pessoal e coletivo e infundia nas mulheres a coragem, a sabedoria e o fogo da virtude. Bons exemplos destas associações foram as medalhas e retratos italianos ligando Atena à Casa de' Medici, e a série de pinturas de Vasari, que fundiu com sutileza traços de Atena e de Afrodite para criar suas caracterizações de Judite, o que lançou as bases de fértil iconografia pelos séculos adiante. Por fim, Atena firmou uma ligação com a verdade, a ciência, o comércio, o aprendizado, as academias e as artes em geral, especialmente em seus aspectos científicos e intelectuais.

Ao longo dos séculos XVI e XVII o potencial simbólico de Atena/Minerva permaneceu sendo explorado pelas realezas européias, ora para a glorificação também de mulheres à testa dos reinos. Ela se tornou uma imagem comum associada a regentes francesas como Catarina de' Medici, Maria de' Medici e Ana de Áustria, louvadas como protegidas da deusa e retratadas ostentando seus atributos, uma frequência explicada pelo fato de essa associação minimizar o impacto de uma governante mulher em um país onde a lei sálica as impedia de assumir o trono por direito próprio.

Maria de Medici por Paul Rubens, 1622.

Na conhecida série de pinturas de Rubens sobre a vida de Maria de' Medici Atena aparece como sua protetora e instrutora. Na última obra da série Maria se torna quase uma encarnação da deusa guerreira, aparecendo de elmo à cabeça, com uma armadura aos pés, canhões ao fundo, carregando uma Niké na mão direita e na esquerda um cetro que mais parece uma lança. O seio à mostra, porém, enfatizava sua maternidade.
Elizabeth I da Inglaterra foi apresentada como "a nova Minerva", e durante o reinado de Jaime I Atena passou a identificar a própria nação britânica, suplantando as identificações com Britannia ou Astréia, os antigos numes tutelares da nação. Mais tarde, no século XVIII, a própria Britannia já havia incorporado a iconografia de Atena. Entretanto, adaptando-se à realidade local, Atena/Britannia em vez de uma lança costuma ostentar um tridente, símbolo de Posídon, o deus dos mares, e por consequência da Grã-Bretanha como ilha e potência naval. Esta simbologia permaneceu em alta até meados do século XX, muitas vezes empregada também com intenções satíricas.

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