sábado, 30 de outubro de 2010

DEUSA MORRIGAN, OU MORRIGU

Morrigan é uma das formas que toma a antiga Deusa Guerreira Badb. Morrigan ou Morrigu, Macha e Badb formam a triplicidade conhecida como as "MORRIGHANS", as FÚRIAS da guerra na mitologia irlandesa.

Morrigan, como todas as deidades celtas está associada as forças da Natureza, ao poder sagrado da terra, o Grande Útero de onde toda a vida nasce e depois deve morrer para que a fecundidade e a criação da terra possam renovar-se.

É também a Deusa da Morte, do Amor e da Guerra, que pode assumir a forma de um corvo. Nas lendas irlandesas, Morrigan é a deidade invocada antes das batalhas, como a Deusa do Destino humano. Dizia-se que quando os soldados celtas a escutavam ou a viam sobrevoando o campo de batalha, sabiam que havia chegado o momento de transcender. Então, davam o melhor de si, realizando todo o tipo de ato heróico, pois depreciavam a própria morte. Para os celtas, a morte não era um fim, mas um recomeço em um Outro Mundo, o início de um novo ciclo.

Na epopéia de Cuchulainn, "Tain Bó Cuailnge", em que se celebra a grande guerra entre os Fomorianos e os Tuatha De Danann, as três Deusas Guerreiras com forma de corvos são Nemain, Macha e Morrigu, das quais Morrigu é a mais importante. Segundo a análise que faz Evans Wentz da lenda, são a forma tripartida de Badb. Nemain confunde os exércitos do inimigo, Macha goza com a matança indiscriminada, porém é Morrigu quem infundiu força e valores sobrenaturais a Cuchulainn, que desse modo ganhou a guerra para os Tuatha De Danann, as forças do bem e da luz, e derrotou os obscuros Fomorianos, de igual modo que os deuses olímpicos venceram os Titãs.

MORRIGAN E CUCHULAINN

Cuchulainn é um herói do "Ciclo de Ulster", uma das mais antigas coleções irlandesas de lendas heróicas. Ele era um mortal, nascido para morrer, separado dos demais por características curiosas e anormais e destinado desde o princípio a um estranho destino.

Como humano, era como os heróis gregos, um Hércules irlandês, filho de um deus da guerra, Lugh do Longo Braço. Os elementos insólitos do aspecto de Cuchulainn era que tinha sete pupilas em cada olho, sete dedos em cada mão e sete dedos em cada pé. Suas bochechas eram pintadas de amarelo, verde, azul e vermelho. Seus cabelos eram escuros na raiz, vermelhos no meio e loiro nas pontas. Seguia carregado de adornos: cem enfiadas de jóias na cabeça e cem broches de ouro no peito. Esse era seu aspecto em tempo de paz e que aparentemente era muito admirado.

Quando era possuído pelo frenesi da guerra, mudava completamente. Girava dentro da sua pele, de modo que seus pés e joelhos ficavam para trás e as pantorrilhas e as nádegas ficavam na frente. Seus compridos cabelos ficavam eriçados e cem cada fio ardia uma faísca de fogo, uma labareda surgia de sua boca e no centro da cabeça brotava um arco de sangue negro. Um olho lhe caía até a altura da bochecha e o outro entrava para dentro do crânio; em sua fonte brilhava "a lua do herói". Seu frenesi era tão grande que tinham que submergi-lo em três tinas de água gelada para que pudessem fazê-lo retornar a sua temperatura normal.

Ainda menino, a força de Cuchulainn era enorme, pois aos sete anos matou o feroz cachorro de Cullan, o Ferreiro. Para expiar sua ação, se ofereceu para tomar o posto do cão e guardar o Ulster. Trocou o nome de batismo de Setanta para Cuchulainn, "Cão de Cullan" e guardou Ulster até sua morte.

Cuchulainn encontra-se pela primeira vez com Morrigu ainda menino, quando caminhava por um campo de batalha para encontrar o rei e seu filho.

A Deusa sobrevoa o campo em forma de corvo e faz troça dele dizendo:

-"Aquele que se sujeita a fantasma, não dará um bom guerreiro".

Cuchulainn por ser tão jovem, não reconhece a Deusa, mas percebe que está recebendo um incitamento à valentia.

O próximo encontro dos dois se dá quando Cuchulainn tenta retardar a chegada do exército da rainha Maeve. Desta vez, Morrigan surge na forma humana, apresentando-se como uma bela e sedutora jovem, dizendo-se apaixonada e disposta a casar com ele e compartilhar toda sua fortuna. Demonstrando obstinação por sua jornada heróica, ele a recusa. Não deixou-se portanto, envolver com a sutil sedução do seu inconsciente, para permanecer no âmbito que lhe era conhecido e familiar. Para Cuchulainn, ele deveria suportar o fardo da solidão. E, muito embora Morrigu continue insistindo, dizendo que poderia ajudá-lo em combate, ele responde:

-"Eu não vim até aqui por causa de um quadril de mulher."

Com essas palavras, traçou seu trágico destino, pois imaginava que seu pior inimigo estava à sua frente e, no entanto, o inimigo estava era dentro dele.

Em uma outra passagem, Cuchulainn, como guardador e protetor de Ulster, observa uma mulher que conduzia uma carroça. Ao seu lado caminha um senhor e uma vaca presa por uma corda. Ao abordá-los, indaga ao homem como conseguiram a vaca. Quem responde é a mulher e ele irritado retruca:

-"Uma mulher não deve responder por um homem."

Volta-se novamente ao homem e pergunta seu nome. A mulher volta a responder por ele e Cuchulainn, totalmente fora de controle salta em cima dela e aponta a lâmina de sua espada para a cabeça da mulher. Nervosa, ela explica que recebera a vaca como presente por ter recitado um belo poema e que recitaria para ele se saísse de cima dela. Cuchulainn ouviu a declamação dos versos e quando se prepara para voltar a atacar a mulher, percebe que a carruagem e a mulher haviam desaparecido e em seu lugar ficou um corvo pousado em um galho que lhe diz que está ali "guardando a sua morte". Dessa vez, têm consciência que é a própria Deusa Morrigan e que ela veio avisá-lo que sua morte é iminente.

Em um combate que se seguiu contra os soldados de Connacht, Cuchulainn foi atrapalhado por diferentes animais: primeiro uma vaca, depois uma enguia, e por fim uma loba. Todos os animais foram feridos com a espada de Cuchulainn, mas na verdade, todos eram Morrigan. Para curar-se das feridas, teve que disfarçar-se de anciã e pedir à Cuchulainn que ordenhasse sua vaca mágica. Ao receber das próprias mãos do herói três bocados do leite da vaca, curou-se de todos os ferimentos.

Antes de uma nova batalha contra os guerreiros de Connacht, Cathbad e Cuchulainn passeavam a margem do rio, quando avistaram a "Lavadeira do Vau", um tipo de mulher-fantasma que freqüenta as margens dos rios e arroios, chorando e lavando as roupas e as armas sujas de sangue, dos guerreiros que morrerão em combate.

Cathbad diz então:

-"Você vê Cuchulainn, a filha de Badb lavando seus restos mortais?" É o prenúncio de sua morte! Entretanto, Morrigan, talvez comovida com o trágico fim de Cuchulainn, desaparece com a carruagem de combate enquanto ele dormia. Mas nada o impedirá de ir de encontro ao seu já traçado destino.

No dia seguinte, no fervor da batalha, Cuchulainn gravemente ferido, amarra-se ao pilar de uma pedra e segue lutando. Quando está próximo da morte, Morrigan aparece pela última vez, agora como um corvo que pousa no ombro do valente herói e depois salta ao solo para devorar as vísceras do corpo dilacerado de Cuchulainn.

Na véspera da Segunda Batalha de Moytura, também o rei líder dos Tuatha De Danann, Dagda, encontra Morrigan no vau do rio Unshin, lavando as armas ensangüentadas e os cadáveres dos que viriam a tombar no dia seguinte.

A Deusa então dá a Dagda informações sobre o combate, revelando seus dons proféticos. Igualmente, dá provas de coragem e poder quando afirma que ela mesma arrancará o coração do seu inimigo Fomoriano. Em pagamento, Dagda sacia seu apetite sexual, unindo-se a ela ali mesmo, em meio aos cadáveres que morrerão, enfatizando a íntima ligação entre a vida e a morte.




MORRIGAN, MACHA E BODBH

A história da Irlanda, relatada por John Keating no século XVII a partir de documentos antigos, cita Bodbh, Morrigan e Macha como as três deusas dos Tuatha De Dannan. O texto da "Batalha de Cnuch, é uma epopéia da série osiânica, descreve a "Bodbh sobre o peito dos homens. E, na "Batalha de Mag Rath se fala de Mirrigan "de cabelos cinza". Na "Destruição da morada da Da Chica", se trata de "Bodbh da boca vermelha". No Livro das Conquistas, vasta compilação de homens letrados sobre a origem mitológica da Irlanda, se encontra a seguinte enumeração:

"Bodbh, Macha e Ana (ou Anand), são as três filhas de Ernmas", que é contradita pelo poema que segue, o qual, na enumeração, substitui a Ana por Morrigan.

Tanto Morrigan a gaélica, como Morgana dos relatos da Távola Redonda, possuem a faculdade de transformarem-se em pássaros e sempre vêm acompanhadas de suas irmãs, que podem tomar o mesmo aspecto.




A JORNADA HERÓICA

Herói é todo aquele que é "chamado" para cumprir um determinado destino. O chamado representa a necessidade de que um valor mais antigo, pessoal ou tribal, seja superado. Geralmente o caminho é nítido, mas certamente, nunca será fácil. O herói deverá persistir diante do maior obstáculo que é sua própria letargia, seu medo e seu desejo de voltar para casa.

Muitas vezes, o herói poderá receber ajuda, como aconteceu com Cuchalainn, que infelizmente, não teve olhos para reconhecer e receber os préstimos da Deusa Morrigan. O caminho será sempre pontuado de diversas tentações: os demônios da dúvida, da esperança de um caminho mais fácil, das seduções pela riqueza e do poder.

O herói da maioria das histórias parte para uma jornada muitas vezes sem volta, pois deverá descer às profundezas do seu inconsciente. Se ele sobreviver a batalha que travará com os monstros que lá encontrar, então poderá empreender a subida e ser transformado.

Para Cuchulainn, a maior das batalhas não foi vencida, o confronto com a Deusa Morrigan e a assimilação de sua consciência lunar. Ele não soube compreender o que a Deusa queria, pois atrás de sua postura heróica estava também sua convicção defensiva. Essa é a condição que assumem a maioria dos homens da nossa atualidade, que também não compreendem e não conseguem se relacionar muito bem com as mulheres. Isso porque, o arquetípico masculino é o domínio do distanciamento e da separação e agressão contra a natureza e os seres humanos, tendo em vista a sobrevivência. O masculino desenvolve o aspecto solar da consciência que envolve a divisão e as guerras para estabelecer suas fronteiras. Já o feminino, desenvolve a consciência lunar e é concebida como a voz oracular da natureza (a Deusa).

Tais diferenças primárias para cada sexo, são percebidas, pelo valor que atribuem as suas façanhas. Por exemplo: as mulheres dão à luz e criam seus filhos com amor, enquanto os homens matam e forjam suas armas. Os homens exibem seus troféus (seja um animal, uma cabeça humana ou um escalpo) com o mesmo orgulho que as mulheres acalentam em seus braços um recém-nascido.

Na história e em nossa sociedade atual, os homens manifestam a tendência de desvalorizar o feminino neles mesmos e nas mulheres. Muitos dos atributos femininos são considerados "fraquezas" na tradicional sociedade patriarcal. Em conseqüência dessa distorcida valoração, os homens lutam para se excluir e se diferenciar das mulheres. Entretanto, o papel materno da mulher, universal, tem efeito tanto sobre o desenvolvimento da personalidade masculina e feminina quanto sobre a hierarquia dos sexos. O relacionamento primal com a mãe não é apenas o primeiro relacionamento, mas também a imagem e o protótipo das relações em geral. Como são basicamente as mulheres que cuidam das pessoas em seus anos da infância, a voz da autoridade feminina tem entonações poderosas.

Com o desenvolvimento do ego e da individualização, ocorre um movimento de baixo para cima, ou seja, do inconsciente para a consciência e, sendo assim, o âmbito matriarcal assume o caráter daquilo que tem de ser superado: o infantil, o arcaico, o abissal e o caótico. Todos esses símbolos estão ligados ao Feminino Terrível, ou o "Dragão Devorador" que reveste-se o feminino. Nesse sentido, o Feminino Terrível torna-se símbolo de estagnação, regressão e morte.

Os homens, portanto, não se diferenciam das mulheres, racional ou objetivamente, mas sim por "medo do feminino", que ameaça devorá-los e levá-los de volta aos braços da Mãe Terrível que está dentro dele, e que em seu abraço incestuoso promete a paz da morte por meio da rendição do Eu. Mas, faz parte do desenvolvimento normal do ego masculino como herói que ele tenha êxito em resgatar o Feminino da dominação materna. O casamento com o Feminino, para o homem, é sagrado, e constitui um pré-requisito para o desenvolvimento do Eu no qual os opostos estão contidos para que a inteireza seja obtida.

O ETERNO RETORNO


O arquétipo do eterno retorno dramatiza uma revelação: que sob o disfarce da morte encontramos uma secreta unidade de vida. O desenrolar desse drama confere profundidade à vida.

Devemos todos considerar nosso próprio lugar no grande círculo, pois se nossa vida não tem conteúdo ou significado, ela será estéril e absurda. Só a conscientização de que existe uma dimensão profunda em tudo que experimentamos amplia nossa visão e nos recoloca em uma zona de atemporalidade. A participação no grande círculo conserva tanto o mistério que esse representa como a dignidade dos que morrem.

É a Deusa Morrigan que nos ajudará a transformar nossas perdas em um "deixar que vá" e nos identifica como o "ir e vir", substituindo as aquisições pela capacidade de "abrir mão" para poder participar de sua secreta sabedoria de Grande Mãe.

A jornada da vida é um breve episódio entre dois grandes mistérios que são um só, e, tornar esse episódio tão luminoso quanto possível, é redescobrir nos movimentos da alma, nas provações do nosso corpo, nas presenças espectrais em nosso sonhos, os rastros das Deusas.

HÁ UMA HEROÍNA EM CADA MULHER

Todas nós somos heroínas de nossas próprias vidas, em uma viagem que inicia com nosso nascimento e continuará na decorrer de toda a nossa vida.

Como heroínas, também podemos ser semi-deusas, do mesmo que o protagonista da nossa história Cuchulainn. Igual à ele, embora de uma forma um pouco diferente, devemos abraçar o "Feminino" e deixar de ter medo do "Masculino". A ameaça representada pelo Masculino e pelo medo a ele associado é o medo da desvalorização da mulher. Entretanto, por mais difícil que seja a batalha, devemos nos tornar heroínas, aptas a fazer escolhas em que deixemos de ser passivas ou joguetes movidos por outras pessoas ou pelas circunstâncias.

Vale a pena fazer valer nossos direitos, muito embora essa não seja uma tarefa fácil, pois no meio do caminho sempre nos confrontaremos com os aspectos sombrios de nossa personalidade, mas no final nossa autoconfiança crescerá.

Entre os celtas, os dois sexos gozavam de considerável igualdade nos costumes matrimoniais, direitos à propriedade, estado legal, bem como as atividades econômicas e políticas. A importância das guerreiras e matriarcas e seu papel no treinamento dos jovens guerreiros sugerem ainda que a imaginação celta não traçava linhas rígidas entre as polaridades do masculino e feminino.

Podemos aprender muito com a mitologia celta, principalmente sobre a liberdade dos sexos. Na verdade, com igualdade e o respeito os dois sexos podem ter fortalecidos os seus relacionamentos.

Em nossa sociedade patriarcal, a maioria dos casamentos entram em falência emocional e estrutural, justamente quando ocorre o problema da dominação-submissão. A mulher que submete-se intencionalmente ou inconscientemente ao homem, se tornará infeliz, sobretudo na meia idade, quando ela precisa atualizar aquilo que foi reprimido em sua própria identidade.


IN: http://www.rosanevolpatto.trd.br/deusamorrigan.html

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